Artigo sobre as escolhas que nos unem...
O senhor Antônio acorda às 4hs
da manhã para ir trabalhar. Ele pega a sua marmita e sai para pegar o ônibus
que passa às 5hs na baixada da favela. Ele é um pedreiro. No portão encontra o
filho entrando em casa. O senhor Antônio olha com tristeza para o filho, não
diz nada, apenas balança a cabeça. Mas aquele olhar significou mais de mil
palavras de desaprovação. O seu filho se tornou um traficante. Do outro lado da
cidade, em um elegante condomínio, Walter ajeita a gravata. Ele sorri na frente
do espelho e diz para si mesmo que vai ganhar muito dinheiro. Ele é um
candidato a prefeito. Ao sair com seu carro importado quase bate em outro que está
estacionado em frente à sua garagem. Desce irritado do carro e olha dentro do
outro carro importado. Seu filho bêbado está dormindo lá dentro. Ele veio de mais outra balada recheada de
bebidas, sexo e drogas... O despertador de Beto dispara: já era quase 6 hs da
manhã. Ele está atrasado. Troca de roupa, pega a sua arma que está em cima da
mesa e antes de sair, passa no quarto da filha que está dormindo e vê os livros
em cima da cama. Mais uma vez, a filha ficou até tarde estudando. Olha
orgulhoso para ela, lhe dá um beijo e sai. Beto é um policial civil.
Eram
20hs da noite e o comício começa. Walter, entusiasmado, fala para a população
da favela que trará melhorias para suas vidas e por trás dos holofotes, ele
compra votos em troca de materiais de construção. Tempos depois, ele consegue se eleger e o
senhor Antônio, o pedreiro, consegue fazer mais um puxadinho em sua casa graças
à venda do voto. Do lado do puxadinho, o filho traficante do senhor Antônio faz
o pagamento mensal da propina a Beto, o policial. Na faculdade, a filha de Beto é convidada
pelo filho do prefeito para uma festa. Ela, um pouco tímida aceita ir. Liga
para o seu pai e avisa que chegará um pouco tarde em casa, mas por pressão do
pai passa o endereço da festa para ele. Um endereço falso que o filho do
prefeito disse... A festa começa e a filha do policial ingere uma bebida
oferecida pelo filho do prefeito. Pouco tempo depois, ela estava usando a droga
comprada do filho do pedreiro, que era o traficante protegido por seu pai.
Totalmente fora de si, a moça acaba sendo estuprada por 5 homens, inclusive o
filho do prefeito. Ele a ameaça para não contar nada, pois ele era o filho do prefeito...
No
outro dia, Walter, o prefeito, descobre que o terreno da favela onde mora o
senhor Antônio poderia lhe render muito dinheiro. Comemora, juntamente com
representantes da justiça, a reintegração de posse da favela. Iria mandar muitas
famílias para a rua, inclusive a família do senhor Antônio, mas teria muito
dinheiro no bolso. Passado mais um tempo, já era visível o vício da filha do
policial pelas drogas. Por trás desse vício ela tentava fugir das lembranças do
estupro. Seu pai, o Beto, decidiu que iria interná-la para tratamento, mas
antes disso, a moça fugiu. Ela achou proteção nos braços do filho do senhor
Antônio, por quem se apaixonou. A moça então, conta para o traficante quem a
estuprou.
A
ordem de reintegração de posse é expedida e centenas de policiais são mandados
para a favela. Aos prantos, famílias viam suas casas serem demolidas, inclusive
o senhor Antônio, que aceitou vender o seu voto em troca da construção do
puxadinho. Revoltado com a situação, o traficante, filho do senhor Antônio,
decide se vingar do homem que derrubou sua casa e do filho que estuprou a sua
amada. Ele entra em uma sofisticada boate e dá 3 tiros na cabeça do filho do
prefeito. Beto, o policial, é chamado para apurar e “encerrar” o caso na mesma
noite. Apesar de estar atordoado com o desaparecimento da filha, ele decide ir
atrás do traficante. Ele o encontra
bêbado dentro de um bar, onde lhe dá 5 tiros, depois vira as costas e vai
embora. Sua filha chega e vê o amado morto. Transtornada com a cena e não vendo
mais esperanças para a sua vida e nem para a vida do filho que carrega no
ventre, a moça pega a arma do amado e dá um tiro na própria cabeça.
Era
um domingo chuvoso, dia dos pais, e as 3 famílias estavam de luto velando os
seus filhos no velório municipal. Essas famílias têm em comum a morte dos seus
filhos e as suas histórias cruzadas. Há um velho ditado que diz que a
humanidade é una e o que é feito para um de seus membros reflete-se em todos os
demais. É interessante como nossas vidas estão ligadas, mesmo por fios
invisíveis chamados de escolhas que por sua vez, formam uma teia de
acontecimentos interligados. Cada escolha gera um acontecimento interligado a
outro. Alguns dizem que escolhas geram carmas e cada escolha gera muitos
talvez... Talvez, as histórias desses pais se cruzassem de modo diferente, se
eles fizessem escolhas diferentes. Talvez se o prefeito não fosse corrupto e
prestasse mais atenção nas atitudes do filho, poderia ter evitado a morte dele.
Talvez se o policial não tivesse se vendido para o tráfico de drogas, ele não
teria contribuído para as duas mortes da filha: a morte pelas drogas e a morte
pela arma. Talvez se o senhor Antônio, o pedreiro, e os moradores da favela não
tivessem vendido seus votos e mobilizassem toda a população para não fazê-lo, poderiam
agora estar em suas casas. Mas talvez o senhor Antônio não conseguisse que o
filho não fosse morto. Dizem que traficante morre cedo...
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