Artigo baseado no documentário "Asilo"
Lá
estava ela sentada em sua cadeira de sempre. Olhos voltados para o horizonte, o
semblante de quem viveu momentos sofridos na vida. Sentei-me ao seu lado, eu era
uma curiosa adolescente na época. Ao ver-me sentar, ela abriu um grande sorriso
e segurou em minhas mãos com muita força. Seu nome era Maria, como a mãe de
Jesus... Dona Maria contou-me sobre a sua juventude nos anos 30 e como era
cortejada pelos moços. Rindo, contou-me em detalhes como seu marido esquecera
as alianças no dia do casamento. Seus olhos brilhavam e eu parecia estar diante
de um filme lindo. Foi quando suas mãos apertaram mais as minhas. Seu rosto
endureceu e fitou-me nos olhos. O brilho no olhar sumira e o que vi foram lágrimas
rolarem. Dona Maria então contou-me como seu único filho a mandara para aquele
asilo. Foi logo depois que seu marido morrera... O filho se casara e não podia
cuidar dela, que estava presa em uma cadeira de rodas e não tinha nenhuma das
pernas. Isso aconteceu devido a um acidente quando ela buscava lenha para fazer
biscoitos para vender na feira e assim ajudar no orçamento da família. Havia 10 anos que ela não via o filho. Com aquelas
lágrimas nos olhos, Dona Maria dizia que o seu sonho era morrer, pois assim, sua
alma poderia rever o filho no seu velório. Tempos depois, voltei ao asilo e
tive a notícia que Dona Maria havia morrido. Alguns diziam que ela havia
morrido de tristeza. Eu acho que ela conseguiu o que tanto sonhara...
A
história de Dona Maria se repete todos os dias em nosso país. Abandono é uma
palavra dura. E é ainda mais dura na prática... Vemos asilos cheios de idosos abandonados pelas
famílias como se eles fossem algo descartável. E isto é apenas uma parcela dos
casos de desrespeito com idosos que acontece no Brasil. Respeito é a grande
palavra! E respeito era o que as tribos indígenas tinham pelos seus idosos. Os
índios mais velhos, sejam homens ou mulheres, adquiriam grande respeito por
parte de todos os outros índios. A experiência conseguida por muitos anos de
vida os transformava em símbolos de tradições da tribo, porque eles tinham uma
experiência muito grande para passar para os mais novos. Infelizmente não é o
que acontece com as pessoas que herdaram a terra que eles viveram. O Brasil possui
cerca de 19 milhões de pessoas com mais de 60 anos. O que representa mais de 10%
da população brasileira, conforme dados do IBGE em pesquisas realizadas em
2009. Também segundo o IBGE esse número de idosos chegará a cerca de 32 milhões
de pessoas no ano de 2025 e fará do Brasil o sexto em número de idosos no
mundo. Mais de 80% da população com mais de 60 anos ganham pelo menos 1 salário
mínimo, sendo parte proveniente de pensões e aposentadorias. Apesar de estarem aposentados, muitos idosos
continuam no mercado de trabalho. Eles
são responsáveis pelo sustento de 25% das famílias brasileiras. Nos casos de
violência contra idosos no país, os principais agressores são os familiares,
vizinhos e cuidadores.
O
Estatuto do Idoso diz que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade,
do poder público assegurar ao idoso com absoluta “prioridade” e efetivação do
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao
lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade e blá, blá, blá... Fico indignada
como no Brasil tudo só fica no papel mesmo! Onde neste país nossos idosos têm o
que diz o Estatuto do Idoso? É só ver como eles são tratados em relação à saúde
pública! Muitos morrem na fila de atendimento dos hospitais públicos. É uma
vergonha decretar um Estatuto e saber que ele “nunca” será cumprido! É uma
vergonha pertencer a uma sociedade que dá às costas para os seus idosos! É uma
vergonha fazer parte de um mundinho de pessoas burras o bastante para não saber
que, um dia, os idosos serão elas!
No
Brasil, a palavra “velho” significa gente cansada, gente que viveu demais,
gente que tem a face cheia de sofrimento e que está esperando a morte. Idosos, nesta
sociedade e neste sistema são pessoas que precisam ser jogadas foras porque não
têm mais utilidade para os jovens. Só que esses jovens deverão se lembrar de
que, em um futuro não muito distante, serão jogados fora também por essa mesma
sociedade e por este mesmo sistema que eles tanto veneram!
Documentário Asilo Parte 1:
Obs: O Asilo mostrado no documentário é muito superior a muitos que existem no Brasil. Neste asilo os idosos são tratados com respeito, porém todo o respeito do mundo não substitui o apoio e carinho da família.
Documentário Asilo Parte 2: