sexta-feira, 27 de abril de 2012

Aquele olhar...



               Lá estava ele, sentado no mesmo lugar... Mas dessa vez estava dormindo. Em suas mãos negras estava o velho chapéu que esperava ansioso uma moeda de algum pedestre.  Ele dormia tão tranquilamente que, por um instante, pensei que ele poderia ser o meu avô que não conheci. Por um milésimo de segundo contemplei aquele rosto cheio de rugas e marcado pelo tempo. E este milésimo de segundo durou uma eternidade em minha mente...
                Imaginei a sua infância na roça, brincando de pique esconde e nadando no rio. Imaginei a sua mocidade cheia de mulheres e beijos apaixonados. Imaginei o seu casamento com uma linda moça. Imaginei o nascimento do primeiro filho e sua dificuldade em alimentar a família. Imaginei o velório da esposa querida e o abandono dos filhos e dos netos. E lá ele estava: mendigando centavos nas ruas de uma pacata cidade do interior de Minas.
                Ele despertou do sono e abriu os olhos... Aqueles olhos negros marcaram-me profundamente. Apesar de todo o sofrimento das ruas, aqueles olhos traziam um brilho inexplicável. Senti-me um lixo! Como eu poderia reclamar tanto de minha vida, se um pobre velho mendigo nas ruas estava?  Em um instante de hipocrisia de minha parte, estendi para ele um pacote de bolachas que eu carregava. Como se aquele pacote de bolachas fosse resolver todos os seus problemas. Ele abriu um sorriso maravilhoso e disse: “Que Deus te abençoe, minha filha!”
                Tive vontade de chorar, de gritar para ele que Deus não poderia me abençoar! Que eu sou culpada pela a situação que ele se encontrava. Eu, com minha ignorância eterna, que ria dos assuntos políticos discutidos na sala de aula, que zombava da história de Malcolm X e do vegetarianismo de Gandhi. Eu, que nunca compreendi o que era comunidade... Não! Deus não poderia me abençoar!
                Mas, naquele instante em que o velho mendigo disse aquelas palavras, já era tarde demais... Acho que Deus e ele já haviam me abençoado. Compreendi que comunidade é ser unidade em toda a vida. Tudo o que não está ao meu redor afeta, sim, diretamente em minha vida. Tudo é interligado, a consequência de um ato se repercute em outros atos positivos ou não. Quando eu não cobro dos governantes e da sociedade mais saúde, educação, combate eficaz às drogas, empregos dignos e ética na política, eu sou responsável por quadros como o do velho mendigo. Quem sabe, daqui uns anos, o filho que talvez eu venha ter, poderá ser também um mendigo.
                Não adianta dar migalhas de bolachas a um povo que grita por socorro! Cada brasileiro é responsável pelo sofrimento de todo brasileiro. Não existe: “O problema é dele”. Existe: “O problema é nosso”. Somos um povo, e como unidade, devemos resolver os problemas que nos atinge. Fechar os olhos para os problemas do país e dar bolachas aos mendigos não mudará a possibilidade de seu filho ser um drogado ou ser morto por um assaltante. É preciso ir na raiz dos problemas... É preciso mudança! E mudança começa na conscientização de que somos uma comunidade una. Mudança começa quando enxergamos que aquele velho mendigo poderia ser meu ou o seu avô!